Por Maurício Zágari
Gostaria de convidar você hoje a imaginar duas situações:
Situação 1:
A irmã chega ao gabinete para pedir aconselhamento pastoral.
Ela começa a derramar seu coração e a conversar com o pastor:
- Pastor, estou muito triste.
- Veja bem, amada, se a irmã observar os pontos TULIP, de
Calvino, vai poder compreender melhor as razões de sua situação.
- Ahn?!
- Analisando a depravação total do homem, torna-se factível
compreendemos os reflexos hamartiológicos que lhe afligem.
- Sei… não, pastor, na verdade… bem, é que estou muito
deprimida, sabe?
- Minha irmã, quando Tomás de Aquino cristianizou
Aristóteles, ele sistematizou, à luz da revelação específica de Deus, a
metodologia científica. Destarte, ciência e fé coadunam numa unidade que tem
seu auge nas cinco vias em que Aquino deu provas imanentes do transcendente.
- Ahn… pastor, eu… éééé… Na verdade, pastor, tem horas em
que o sofrimento é tanto que minha fé é abalada.
- Imagina, minha irmã! Segundo o pensamento do movente não
movido, associado à ideia dos graus de perfeição e à contingência dos seres,
fica transparente que sua cosmovisão distorcida carece de fundamento.
- (…)
- Não faça essa cara, amada! Anselmo de Cantuária foi claro
sobre isso em seu “Credo ut intellegam”.
- Sei… Na verdade, pastor, eu queria saber se o senhor podia
me dar uma palavra de esperança, entende? Alguma palavra da Bíblia…
- Sem dúvida, minha irmã. Perceba: segundo as melhores
teologias sistemáticas, no que tange à esperança escatológica, podemos ter a
segurança de que, a despeito da crença assumida, seja amilenista, pré-milenista
ou pós-milenista, dentro da cosmovisão cristã é certo que o reino de Deus (que
encontra sua expressão no “já” e no “ainda não”), se fará pragmatismo em sua
vida, irmã!
- Ahn… Tá, pastor… Bom, sabe, obrigada, eu vou ali na outra
igreja conversar com o pastor de lá.
- Que isso, irmã, não faça isso! Segundo a eclesiologia, a…
- Deixa, pastor, deixa. Obrigada, viu?
- Imagina, amada! Sempre que precisar, estou ao seu dispor!
E que o Totalmente Outro apontado por Karl Barth manifeste sua graça sobre a
irmã!
- Amém… eu acho…
Situação 2:
A irmã chega ao gabinete para pedir aconselhamento pastoral.
Ela começa a derramar seu coração e a conversar com o pastor:
- Pastor, estou muito triste.
- Que isso, irmã! A vitória é tua!
- Ahn?!
- Claro! Toma posse da tua bênção e segue nessa fé pra
Canaã!
- Sei… não, pastor, na verdade… bem, é que estou muito
deprimida, sabe?
- Que falta de fé é essa, minha irmã! Tá amarrado! Repreende
essa seta! Se a irmã tiver fé do tamanho do grão de mostarda Deus abrirá as
águas e o varão de branco vai trazer numa bandeja de prata a tua vitóóóória!
- Sei… não, pastor, na verdade… bem, é que estou muito
deprimida, sabe?
- Xiiii… A irmã deve estar em pecado. Crente de verdade não
tem depressão, isso é coisa do Inimigo. É falta de fé, é opressão! Isaías 53,
irmã, Isaías 53! Toma posse! A irmã tá muito carnal! Vamos agendar umas sessões
de libertação.
- Ahn… pastor, eu… éééé… Na verdade, pastor, tem horas em
que o sofrimento é tanto que minha fé é abalada.
- Então feche os olhos e cante comigo: “Rompendo em fééééé,
minha vida se revestirá do teu poder!!! Rompendo em fééééé!!!!”. Canta, irmã!
Isso! E vai dando glória! Dá glória, irmã! Dá glória!!!
- (…)
- Irmã de pouca fé! Solta o cabo da nau! E navega com fé em
Jesus! E dá glória, irmã, dá glória!
- Sei… Na verdade, pastor, eu queria saber se o senhor podia
me dar uma palavra de esperança, entende? Alguma palavra da Bíblia…
- Claro, amada! Lembre-se que não cai uma folha da árvore se
Deus não deixar!
- Ahn… Tá, pastor… Bom, sabe, obrigada, eu vou ali na outra
igreja conversar com o pastor de lá.
- Que isso, irmã! Tá desviada? Vou ter de botar a irmã em
disciplina! A irmã anda vendo filmes da Disney?! Que história é essa de outra
igreja, lá só tem crente frio, não tem poder de Deus!
- Deixa, pastor, deixa. Obrigada, viu?
- Amém, irmã, vai cantando vitória!!! Você é a menina dos
olhos de Deus!!! Aleluiasss!!! E dá glória, irmã, dá glória!!!
- Amém… eu acho…
* * *
O objetivo da reflexão de hoje é pensar sobre a importância
do estudo da Teologia para a nossa vida prática de fé. As duas situações acima
são uma caricatura do que vejo hoje em muitos e muitos âmbitos da Igreja
brasileira: de um lado, os que idolatram a Teologia. De outro, os que demonizam
a Teologia.
Acredito que o estudo da Teologia é essencial. Mas tenho
certeza que só Teologia não basta. Teologia nos diz quem é o Curador das
feridas, o Salvador das almas, o Restaurador; mas só o conhecimento sobre Ele
não é suficiente: é preciso aplicação prática. Que só vem mediante o amor,
lágrimas derramadas pelo próximo, mãos cheias de calos e pés sujos de barro.
Por outro lado, sem Teologia a devoção do crente é mirrada.
A falta de estudo teológico nos deixa à mercê de um Deus que não sabemos quem é
e, por isso, não sabemos como Ele deseja que nos relacionemos consigo e com o
próximo. Só a prática não basta, visto que Deus se revelou pela Palavra e ela
precisa ser compreendida e estudada. Isso só é possível mediante o conhecimento
da Teologia.
Portanto, só Teologia é intelectualismo inútil e infantil;
mas zero Teologia é misticismo inútil e infantil. Um coração cheio de Teologia
mas destituído de amor é vaidoso, arrogante e egocêntrico. Um coração vazio de
Teologia é ignorante, errático e perdido.
Há três tipos de indivíduos no meio dos cristãos e devemos
escolher qual deles queremos ser:
1. Quem não ama pessoas prega só Teologia.
2. Quem odeia Teologia prega frases feitas e vazias.
3. Mas quem ama pessoas e também ama Teologia prega… o
evangelho.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,