segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Teologia sem amor X Amor sem Teologia

Por Maurício Zágari



Gostaria de convidar você hoje a imaginar duas situações:

Situação 1:

A irmã chega ao gabinete para pedir aconselhamento pastoral. Ela começa a derramar seu coração e a conversar com o pastor:
- Pastor, estou muito triste.
- Veja bem, amada, se a irmã observar os pontos TULIP, de Calvino, vai poder compreender melhor as razões de sua situação.
- Ahn?!
- Analisando a depravação total do homem, torna-se factível compreendemos os reflexos hamartiológicos que lhe afligem.
- Sei… não, pastor, na verdade… bem, é que estou muito deprimida, sabe?
- Minha irmã, quando Tomás de Aquino cristianizou Aristóteles, ele sistematizou, à luz da revelação específica de Deus, a metodologia científica. Destarte, ciência e fé coadunam numa unidade que tem seu auge nas cinco vias em que Aquino deu provas imanentes do transcendente.
- Ahn… pastor, eu… éééé… Na verdade, pastor, tem horas em que o sofrimento é tanto que minha fé é abalada.
- Imagina, minha irmã! Segundo o pensamento do movente não movido, associado à ideia dos graus de perfeição e à contingência dos seres, fica transparente que sua cosmovisão distorcida carece de fundamento.
- (…)
- Não faça essa cara, amada! Anselmo de Cantuária foi claro sobre isso em seu “Credo ut intellegam”.
- Sei… Na verdade, pastor, eu queria saber se o senhor podia me dar uma palavra de esperança, entende? Alguma palavra da Bíblia…
- Sem dúvida, minha irmã. Perceba: segundo as melhores teologias sistemáticas, no que tange à esperança escatológica, podemos ter a segurança de que, a despeito da crença assumida, seja amilenista, pré-milenista ou pós-milenista, dentro da cosmovisão cristã é certo que o reino de Deus (que encontra sua expressão no “já” e no “ainda não”), se fará pragmatismo em sua vida, irmã!
- Ahn… Tá, pastor… Bom, sabe, obrigada, eu vou ali na outra igreja conversar com o pastor de lá.
- Que isso, irmã, não faça isso! Segundo a eclesiologia, a…
- Deixa, pastor, deixa. Obrigada, viu?
- Imagina, amada! Sempre que precisar, estou ao seu dispor! E que o Totalmente Outro apontado por Karl Barth manifeste sua graça sobre a irmã!
- Amém… eu acho…

Situação 2:

A irmã chega ao gabinete para pedir aconselhamento pastoral. Ela começa a derramar seu coração e a conversar com o pastor:
- Pastor, estou muito triste.
- Que isso, irmã! A vitória é tua!
- Ahn?!
- Claro! Toma posse da tua bênção e segue nessa fé pra Canaã!
- Sei… não, pastor, na verdade… bem, é que estou muito deprimida, sabe?
- Que falta de fé é essa, minha irmã! Tá amarrado! Repreende essa seta! Se a irmã tiver fé do tamanho do grão de mostarda Deus abrirá as águas e o varão de branco vai trazer numa bandeja de prata a tua vitóóóória!
- Sei… não, pastor, na verdade… bem, é que estou muito deprimida, sabe?
- Xiiii… A irmã deve estar em pecado. Crente de verdade não tem depressão, isso é coisa do Inimigo. É falta de fé, é opressão! Isaías 53, irmã, Isaías 53! Toma posse! A irmã tá muito carnal! Vamos agendar umas sessões de libertação.
- Ahn… pastor, eu… éééé… Na verdade, pastor, tem horas em que o sofrimento é tanto que minha fé é abalada.
- Então feche os olhos e cante comigo: “Rompendo em fééééé, minha vida se revestirá do teu poder!!! Rompendo em fééééé!!!!”. Canta, irmã! Isso! E vai dando glória! Dá glória, irmã! Dá glória!!!
- (…)
- Irmã de pouca fé! Solta o cabo da nau! E navega com fé em Jesus! E dá glória, irmã, dá glória!
- Sei… Na verdade, pastor, eu queria saber se o senhor podia me dar uma palavra de esperança, entende? Alguma palavra da Bíblia…
- Claro, amada! Lembre-se que não cai uma folha da árvore se Deus não deixar!
- Ahn… Tá, pastor… Bom, sabe, obrigada, eu vou ali na outra igreja conversar com o pastor de lá.
- Que isso, irmã! Tá desviada? Vou ter de botar a irmã em disciplina! A irmã anda vendo filmes da Disney?! Que história é essa de outra igreja, lá só tem crente frio, não tem poder de Deus!
- Deixa, pastor, deixa. Obrigada, viu?
- Amém, irmã, vai cantando vitória!!! Você é a menina dos olhos de Deus!!! Aleluiasss!!! E dá glória, irmã, dá glória!!!
- Amém… eu acho…

* * *

O objetivo da reflexão de hoje é pensar sobre a importância do estudo da Teologia para a nossa vida prática de fé. As duas situações acima são uma caricatura do que vejo hoje em muitos e muitos âmbitos da Igreja brasileira: de um lado, os que idolatram a Teologia. De outro, os que demonizam a Teologia.

Acredito que o estudo da Teologia é essencial. Mas tenho certeza que só Teologia não basta. Teologia nos diz quem é o Curador das feridas, o Salvador das almas, o Restaurador; mas só o conhecimento sobre Ele não é suficiente: é preciso aplicação prática. Que só vem mediante o amor, lágrimas derramadas pelo próximo, mãos cheias de calos e pés sujos de barro.

Por outro lado, sem Teologia a devoção do crente é mirrada. A falta de estudo teológico nos deixa à mercê de um Deus que não sabemos quem é e, por isso, não sabemos como Ele deseja que nos relacionemos consigo e com o próximo. Só a prática não basta, visto que Deus se revelou pela Palavra e ela precisa ser compreendida e estudada. Isso só é possível mediante o conhecimento da Teologia.

Portanto, só Teologia é intelectualismo inútil e infantil; mas zero Teologia é misticismo inútil e infantil. Um coração cheio de Teologia mas destituído de amor é vaidoso, arrogante e egocêntrico. Um coração vazio de Teologia é ignorante, errático e perdido.

Há três tipos de indivíduos no meio dos cristãos e devemos escolher qual deles queremos ser:

1. Quem não ama pessoas prega só Teologia.

2. Quem odeia Teologia prega frases feitas e vazias.

3. Mas quem ama pessoas e também ama Teologia prega… o evangelho.

Paz a todos vocês que estão em Cristo,

Maurício

Fonte: Blog Apenas. Disponível em <http://apenas1.wordpress.com/> Acesso em: 09 dez 2013.